Por: Cláudia Machado/Edição: Andrea Bochi
Na tarde de quinta-feira, 30, o painel “Auditoria-Fiscal do Trabalho: princípios, valores e horizontes de uma trajetória a serviço do trabalhador” destacou a essência da carreira na defesa intransigente dos direitos humanos. A discussão revelou uma vocação que transcende a burocracia, sendo o Auditor-Fiscal do Trabalho um agente fundamental na conversão da letra fria da lei em justiça social e dignidade do trabalhador.
A mesa teve a coordenação da representante do Conselho Fiscal Nacional do SINAIT, Cláudia Márcia Ribeiro – que abriu o evento ressaltando o foco da categoria em “moldar a Auditoria-Fiscal” a serviço do trabalhador e proporcionou um mergulho nas trajetórias pessoais e institucionais que forjaram a identidade da Inspeção do Trabalho no Brasil.
A diretora do SINAIT Virna Soraya Damasceno, deu seu testemunho sobre a construção da Auditoria-Fiscal. Ela narrou uma carreira iniciada na prática, sem cursos preparatórios, diretamente no campo da fiscalização em áreas urbanas e rurais, combatendo irregularidades como falta de pagamento, jornadas exaustivas e condições degradantes. A Auditora enfatizou que, ao longo dos anos, os princípios de imparcialidade, firmeza, empatia, compromisso com a legalidade e a justiça social foram seus guias. “Nunca abri um desses valores. Ao longo dos anos, mesmo quando atuei eventualmente em funções administrativas, sempre mantive minha base e foco na fiscalização direta”.
Virna Damasceno lembrou a atuação nos anos 1990, que garantiu avanços em convenções coletivas, o combate ao assédio e à discriminação. Sua participação nos Grupos Móveis em diversas regiões do país revelou a face mais cruel da exploração humana, desde ameaças armadas até a retenção de documentos e tráfico de trabalhadores. Essas operações resultaram em conquistas como o direito ao seguro-desemprego para resgatados e a inclusão de jornada extrema, condições degradantes e servidão por dívida no Artigo 149 do Código Penal. Para ela a Auditoria Fiscal é o laboratório das políticas públicas relacionadas ao trabalho no país e reforçou o apoio constante do SINAIT.
Os “desvios” que conduzem à dignidade
O Auditor-Fiscal do Trabalho Luiz Alexandre de Faria apresentou sua trajetória descrevendo-a como uma série de “desvios” que transformaram uma “reta” inicial em uma “curva” de profundo comprometimento. Ele ingressou na carreira em 1995, motivado inicialmente pela estabilidade, mas encontrou na profissão um propósito. Luiz Alexandre, inclusive, mencionou o uso da Inteligência Artificial em sua preparação para o painel, demonstrando a abertura para novas ferramentas sem abandonar a essência do trabalho.
Ele ressaltou a legalidade e a impessoalidade como pilares, argumentando que a atuação do servidor público é limitada ao que a lei prescreve e que o ativismo, embora essencial na sociedade civil, não deve se confundir com a função. “Eu digo que, dentro do cargo, dentro da Auditoria Fiscal, não é um local adequado para o ativismo. O lugar de ser ativista é na sociedade civil, é no sindicato, é no partido político, e isso é extremamente importante. Mas confundir os dois universos traz confusões”.
Luiz Alexandre, junto a outros colegas de São Paulo, foi pioneiro no combate a fraudes de cooperativas e, mais tarde, ao trabalho escravo urbano, especialmente entre trabalhadores imigrantes em oficinas de costura. Ele descreveu a metodologia usada nas “oficinas de suor” que buscava responsabilizar o topo da cadeia produtiva, garantindo reparação financeira e moral aos resgatados. A empatia, em particular, foi destacada como um valor fundamental, especialmente ao lidar com trabalhadores não-nacionais. O Auditor explicou que, ao contrário do trabalhador brasileiro que enxerga o fiscal como um herói no momento do resgate, o trabalhador não-nacional, muitas vezes vivendo em cativeiro com a família, vê o fiscal inicialmente com temor.
Isso ocorre porque lhes é incutido o medo de deportação, prisão e separação de seus filhos caso denunciem a exploração, fazendo com que o fiscal seja, a princípio, percebido como “a encarnação do pior pesadelo”. Essa complexidade exige uma escuta bidirecional e um esforço para que o Auditor explique sua real missão de proteção. Para o futuro, Alexandre vislumbra uma “fiscalização inteligente”, impulsionada por dados e Inteligência Artificial, mas com a presença do fiscal como insubstituível.
Ele também enfatizou a importância da vivência sindical como um dos horizontes da carreira, um elemento do qual a Auditoria Fiscal não pode abrir mão para ter uma atuação efetiva. Luiz Alexandre expressou sua preocupação com o que percebe nos colegas que vão ingressar na carreira em breve. “Eu tenho tido contato com os colegas ingressantes, os 900 que passaram no concurso e virão. Espero que a minha sensibilidade esteja errada. Mas eu tenho visto nesses colegas uma individualidade muito grande. Eu diria, em alguns casos, até desprezo pela vida sindical.”
Para ele, é um “desafio gigante” acolher esses novos Auditores e conscientizá-los sobre a relevância da filiação e da dedicação à atividade sindical para a força e autonomia da categoria. Seu legado, segundo ele, será medido pela dignidade conquistada e preservada para os trabalhadores.
O presente: prioridades, desequilíbrios e a luta por maior abrangência
A Auditora-Fiscal do Trabalho Viviane Jesus Portes abordou o cenário atual da Inspeção, destacando as prioridades e os desafios em Segurança e Saúde no Trabalho (SST). Ela mencionou a prevenção e análise de acidentes em setores como construção civil, frigoríficos e mineração e lamentou o aumento de acidentes graves e fatais. Viviane apontou o trabalho portuário e aquaviário, o trabalho rural e o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) como áreas de atuação prioritária que, contudo, enfrentam dificuldades. O PAT, por exemplo, embora beneficie 23 milhões de trabalhadores e movimente R$ 150 bilhões anuais, é “residual em termos de fiscalização”, evidenciando um desequilíbrio na alocação de recursos e atenção.
Ela tratou dos riscos emergentes, como os psicossociais e os oriundos da Indústria 4.0, onde trabalhadores dividem espaço com máquinas e robôs, somados aos desafios tradicionais. Viviane destacou um “desequilíbrio” interno na atuação da Auditoria, com menor atenção a doenças ocupacionais e a fraudes. A necessidade de “ampliar o escopo da atuação” para além da SST, alcançando trabalhadores de plataforma e autônomos, foi outro ponto.
Viviane Portes ilustrou a urgência dessa ampliação com o caso trágico de um trabalhador que caiu de um edifício onde as condições de risco não se alteravam pela natureza do vínculo empregatício e questionou: “Fez alguma diferença a relação de trabalho que tinha ali? Ele estava exposto ao risco da mesma forma. Estava tudo errado. Esse incidente chocante, onde a precariedade das condições de trabalho prevalecia sobre o tipo de vínculo, mostrou que os desafios fundamentais de segurança e dignidade, são persistentes, independentemente das novas roupagens do mercado de trabalho”, concluiu.
Também coordenou o painel, a representante do Conselho Fiscal Nacional – CFN Marinilda Amorim.


