Por Andre Montanher
Um Auditor-Fiscal do Trabalho foi agredido e ameaçado de morte na terça-feira (9), quando realizava inspeção em um escritório de assessoria contábil, em São Paulo-SP. No loca, havia flagrante desrespeito às normas trabalhistas e medidas sanitárias contra a Covid-19. O autor das agressões é o proprietário da empresa, que filmou tudo e prometeu postar em redes sociais com hashtag #bolsonaro.
Para o Sinait-SP, o caso demonstra as dificuldades enfrentadas pelos auditores no momento atual, de grave desvalorização da categoria. “A combinação de onda armamentista da sociedade civil, desrespeito às Instituições do Estado, especialmente as fiscalizadoras, e o desespero com a crise econômica são os ingredientes para uma tragédia já anunciada. Cumpre o imediato estabelecimento de protocolos de segurança para a Inspeção”, apontou o presidente da Delegacia Sindical de São Paulo do Sinait, Rodrigo Iquegami.
Tratava-se de uma fiscalização corriqueira, originada por uma denúncia de descumprimento das normas de prevenção à transmissão da Covid-19, em um escritório de contabilidade com cerca de 80 empregados no Centro de São Paulo. Logo ao chegar, o auditor Paulo Roberto Warlet da Silva já começou a ser atacado.
“Ele (proprietário) queria que eu lhe apresentasse a ordem de serviço e a reclamação que a originara, o que obviamente recusei. Determinou à sua secretária que me filmasse ininterruptamente, com o celular a poucos centímetros do meu rosto, com a luz acesa. Insultou-me de todas as formas, inclusive com palavras de baixíssimo calão, e ameaçou-me várias vezes. Disse que ´o mundo ia ficar pequeno pra mim” e que “minha vida lá fora não valia nada`, relatou.
O homem prometeu publicar o vídeo nas redes sociais com hashtag #bolsonaro, e que em três dias Warlet “estaria exonerado, recebendo auxílio emergencial”. “Nesse momento, eu já havia ligado para o telefone 190 e pedido reforço policial, no que fui atendido em cerca de quinze minutos”, continuou.
AGRESSÃO
Segundo Warlet, os três policiais militares que atenderam à ocorrência também começaram a filmar o empregador, que seguiu com as ofensas e ameaças, inclusive a eles. “Quando o policial me disse que poderia prosseguir na inspeção do local, o empregador veio em minha direção e me empurrou contra o batente de uma porta e uma mesa, fazendo com que eu caísse ao chão”, relatou o auditor.
Mesmo com dores, ele prosseguiu na inspeção. “Teto baixo, sem janelas, pessoas amontoadas em baias contíguas, empresa não fornecia máscaras e tampouco exigia o uso por parte dos trabalhadores ali presentes”, relatou. O escritório também não tinha livro de inspeção e os documentos-base do PPRA e do PCMSO no ambiente de trabalho. Um irmão do empregador, que apareceu no local, seguiu com as ameaças, dizendo “que ele não sabia com quem havia se metido, que a polícia estava nas mãos deles, que ele não tinha amor à vida”.
O profissional continuou entrevistando as pessoas, “embora minhas mãos tremessem incontrolavelmente de raiva”, segundo ele. Como as ofensas e as ameaças de agressão física permaneciam, atendendo à sugestão do policial presente, Warlet deu voz de prisão ao empregador. Foram todos à Superintendência da Polícia Federal de São Paulo.
“Fui ouvido pelo delegado e, encaminhado ao IML. Foi constatado um eritema na região lombar e escoriações no cotovelo, o que deu sustentação ao crime de lesão corporal. Somado à ameaça e ao desacato, o delegado decretou a prisão em flagrante do indivíduo, que continuava arrogante (inclusive com seu advogado)”, continuou o relato. O homem foi posto em liberdade após pagar fiança de R$ 1.045,00. “Os colegas Ruy Arruda e Antônio Fojo me acompanharam na delegacia”, afirmou Warlet.
INDIGNAÇÃO
“Estou bem. Como já disse antes, o que incomoda não são as dores residuais no cotovelo e nas costas, mas o eco das ofensas e das ameaças que não me sai da cabeça. Sensação de impotência, de humilhação, de exposição gratuita na frente de dezenas de pessoas. Mas tudo passa, hoje mesmo retomarei minhas ordens de serviço”, disse.
Warlet recebeu mensagens de apoio de colegas, do Sinait-SP e do Sinait Nacional. Este último acionou o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho em Brasília e São Paulo, a Polícia Federal de São Paulo, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, pedindo providências contra a agressão.
A entidade apela para que, de acordo com suas competências, as autoridades acompanhem de perto o caso, colaborando para que o andamento do inquérito seja ágil. Solicitou, ainda, uma audiência remota com o superintendente da Polícia Federal de São Paulo, Lindinalvo Alexandrino de Almeida Filho, para tratar do caso.
A Secretaria de Inspeção do Trabalho encaminhou OFÍCIO aos chefes de fiscalização, determinando que todas as inspeções diretas em estabelecimentos sejam realizadas por, no mínimo, dois Auditores-Fiscais do Trabalho. A medida valerá até que sobrevenham as diretrizes do Protocolo de Segurança para a Fiscalização que tramita na Subsecretaria.
Em 2019 foram pelo menos seis casos graves de ameaças e de incentivo ao desrespeito à autoridade dos Auditores-Fiscais do Trabalho. O Brasil tem mais de 700 mil acidentes de trabalho ao ano.