PORTAL UOL: Brasil registra duas denúncias por dia sobre uso de banheiro no trabalho

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O MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) recebeu, desde 2014, 7.309 denúncias referentes a irregularidades em banheiros em locais de trabalho. O número equivale a duas reclamações por dia. O levantamento foi realizado a pedido do UOL no início deste mês.

O que aconteceu

– Há casos de banheiros sujos, inadequados, insuficientes, sem portas, trancados ou distantes dos postos onde os funcionários devem ficar. Após as denúncias, os auditores do Ministério do Trabalho e do MPT (Ministério Público do Trabalho) fiscalizam o local. Se confirmam irregularidades, autuam, abrem ação civil pública contra os empregadores ou firmam um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta)

– Em relação a casos específicos de trabalhadores impedidos de usar o banheiro, o MTE soma 91 infrações. As autuações se referem a situações em que trabalhadores tiveram o acesso ao banheiro dificultado ou impedido pelas empresas.

– No mês passado, um funcionário do Burger King reclamou nas redes sociais que foi proibido de sair de seu posto de trabalho e urinou no chão. À época, a rede lamentou e disse que iria apurar o caso. O MTE acompanha esse caso — os documentos apresentados pela empresa estão em análise e o prazo para conclusão do relatório de fiscalização é setembro.

– O MPT soma 47.842 denúncias relativas a condições sanitárias inadequadas em locais de trabalho desde 2018. Esse total, porém, não é exclusivamente sobre as restrições no uso do banheiro — também soma queixas das condições de cozinhas e alojamentos, por exemplo.

– Os órgãos têm canais diferentes para receber denúncias — e os trabalhadores podem fazer queixas em ambos. O MTE passou a registrar denúncias online somente em 2020. Depois disso, os números aumentaram.

“Restrições ao uso do banheiro são tratadas como prioridades junto com os casos de trabalho escravo, trabalho infantil e falta de pagamento porque impõem riscos ao trabalhador. Presenciei cadeiras sujas de urina e de sangue [de menstruação] pela falta do direito a ir ao banheiro.”

Thiago Laporte, auditor fiscal do MTE

Instalações sem portas e sem assento

– Existem duas normas regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho que asseguram o direito à ida ao banheiro e às condições adequadas. A NR-17 garante a saída dos postos para a satisfação das necessidades fisiológicas dos trabalhadores. Já a NR-24 garante condições para que os trabalhadores possam interromper suas atividades para utilização das instalações sanitárias.

– Para além das normas, a ausência ou restrição do uso do banheiro a funcionários fere o princípio da dignidade da pessoa humana. “São casos graves que podem provocar adoecimentos físicos, psicológicos e fisiológicos”, afirma Thiago Laporte, do MTE.

– Entre as irregularidades mais recorrentes estão a distância entre o posto de trabalho e as instalações sanitárias, a dificuldade no acesso e a quantidade de unidades inferior ao necessário. Há ainda funcionários com hierarquia superior que detêm chaves de banheiros como forma de controle do uso.

– Já entre os casos mais graves, estão a retirada de portas e assentos sanitários para reduzir o tempo de permanência do trabalhador no local.

– O advogado especializado em direito do Trabalho, Alexandre Rosa, afirma que muitas empresas utilizam formas indiretas de controle ao uso do banheiro — como o tempo que um funcionário permanece online no sistema da empresa.

– As irregularidades sanitárias podem se caracterizar como dano ou assédio moral.

“Se for um fator de pressão, que gere perseguição sem considerar que o funcionário possa estar passando por uma condição especial ou problema de incontinência, pode se configurar como assédio.”

Márcia Kamei Aliaga, coordenadora de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora MPT

Pressão pela produtividade

– Centrais de atendimento, caixas de lojas e supermercados, atendimento de redes de fast food e telemarketing e indústria são as áreas que mais costumam registrar irregularidades sanitárias, segundo os auditores.

– A organização das empresas reflete a adequação das instalações sanitárias, diz Márcia Kamei Aliaga, do MPT. “Na indústria, onde a saída de um funcionário pode impactar na linha de produção, é preciso contratar funcionários substitutos. O trabalhador não é uma máquina.”

– A intensificação da terceirização acentuou a precarização do trabalho. “A terceirização joga a responsabilidade para empresas que têm menos condições de lidar com esses custos e lançam mão de estratégias agressivas.”

Impactos para mulheres

– Os próprios auditores indicam que o impedimento do uso de banheiros para mulheres pode ter implicações ainda mais severas. “O impedimento do uso do banheiro para funcionárias grávidas pode ocasionar a infecção urinária, que é um fator abortivo”, afirma Márcia.

– Em junho de 2021, uma gestante de 19 anos urinou no chão da linha de produção de uma empresa de Novo Hamburgo (RS). Ela trabalhava no setor calçadista.

– “Ela pediu para ir ao banheiro três vezes e teve o direito negado”, diz Jaqueline Erthal, presidente do Sindicato dos Sapateiros e Sapateiras de Novo Hamburgo. A jovem voltou para casa a pé e com a roupa molhada em um percurso de 40 minutos.

– Jaqueline afirma que não foi feita a troca pelo “funcionário coringa” — aquele que substitui o trabalhador que se ausenta para ir ao banheiro.

– O sindicato fez um acordo com a empresa para que todos os trabalhadores tenham direito de usar o banheiro do início ao fim do expediente e para a contratação de um funcionário substituto para cada 25 trabalhadores. Agora, há fiscalização a cada dois meses, de acordo com a entidade trabalhista. A ideia é estender essa negociação a todo o setor.

– Pesquisa realizada pelo Sindicato de Trabalhadores em Telecomunicações do Rio (Sinttel-Rio) com mulheres do setor indicou o uso dos banheiros como um dos principais problemas para as trabalhadoras de call center. Para manter a produtividade, elas acabam não fazendo pausas nem saem do posto de trabalho.

“Não entendem o tempo necessário para troca de absorvente e a demora neste processo.

Trabalhadora à pesquisa realizada pelo Sinttel-Rio.