Por: Cláudia Machado
A crise climática, com seus impactos avassaladores já sentidos em todo o mundo, exige uma urgente “mudança de paradigma” na atuação da Inspeção do Trabalho. Essa foi a principal mensagem do painel que discutiu os efeitos do aquecimento global no ambiente laboral, na tarde de quarta-feira, 29, no 41º ENAFIT. Auditores-Fiscais do Trabalho alertaram que o enfrentamento das consequências da emergência climática sobre os trabalhadores não pode se limitar à adaptação de normas existentes, pois requer uma profunda transformação nas estratégias e na compreensão da interconexão entre meio ambiente e condições de trabalho.
O painel, que teve a coordenação do diretor do SINAIT, o Auditor-Fiscal do Trabalho Sebastião Estevam, trouxe à tona a percepção de que, apesar da gravidade crescente da situação, a resposta institucional do Ministério do Trabalho ainda se mostra insuficiente, em grande parte devido a restrições orçamentárias severas e à necessidade de uma maior conscientização interna sobre a dimensão do problema.
O diretor do SINAIT, Auditor-Fiscal do Trabalho, Renato Bignami, abriu o debate sublinhando que a atual “emergência climática” vai muito além do aquecimento global. Ele citou a adoção do termo “antropoceno” para descrever a era geológica em que a ação humana é a principal força transformadora do planeta. Bignami expressou preocupação com a “ausência bastante acentuada de estratégias por parte da Inspeção do Trabalho em relação a um tema que afeta diretamente o meio ambiente laboral”. Referindo-se ao filósofo Bruno Latour, defendeu a necessidade de uma “ecologia política” que vá além da mera modificação dos sistemas de produção, questionando a forma como a economia organiza a vida humana.
A gravidade do cenário foi corroborada por dados contundentes: o ano de 2024 foi marcado como o mais quente da história do Brasil, registrando 76 dias com temperaturas acima de 40 graus Celsius. As consequências são palpáveis e se manifestam em eventos extremos como inundações, incêndios, calor intenso e acidentes ampliados. Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2024, já detalha os impactos diretos no ambiente de trabalho, incluindo estresse térmico, exposição ampliada à radiação ultravioleta (reconhecida como agente cancerígeno), efeitos de eventos meteorológicos extremos, deterioração da qualidade do ar e aumento de doenças transmitidas por vetores.
Bignami enfatizou que o arcabouço jurídico internacional já confere amparo à atuação, mencionando decisões como a da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Justiça, que reconhecem a emergência climática como uma ameaça existencial e aos direitos humanos, obrigando os Estados à mitigação e prevenção. Para ele, o Brasil, signatário de tratados sobre mudança climática, tem a responsabilidade de agir. A lógica é clara: “O meio ambiente de trabalho integra o meio ambiente”, e a segurança e saúde laboral são direitos humanos fundamentais. A urgência não reside na criação de novas leis, mas em uma “mudança de paradigma” dentro do sistema de inspeção.
Para além dos limites planetários: o papel da fiscalização
Valdiney Antônio de Arruda, diretor do SINAIT, Auditor-Fiscal do Trabalho de Mato Grosso, expandiu a discussão ao abordar os “limites planetários” – nove sistemas-chave da Terra que regulam a vida. Ele destacou que sete desses limites já foram ultrapassados, citando a acidificação dos oceanos, que ameaça a vida marinha, e o desequilíbrio nos fluxos de nitrogênio e fósforo, que polui águas subterrâneas. “Nós já ultrapassamos o limite da água potável”, alertou, evidenciando o esgotamento dos recursos naturais essenciais.
Arruda conectou essa realidade às Conferências das Partes (COPs) e à necessidade de a Inspeção do Trabalho atuar de forma proativa. Ele sugeriu que a fiscalização deve ir além das irregularidades pontuais, exigindo “due diligence” das empresas para que identifiquem e corrijam impactos negativos em toda a cadeia de valor. A modernização das Normas Regulamentadoras (NRs) e a utilização do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) como uma ferramenta preventiva são essenciais, integrando saúde ocupacional e gestão ambiental. A proposta inclui checklists para Auditores considerarem fatores ambientais como contaminação de solo, água e emissões, bem como a necessidade de treinamento para o manuseio de produtos perigosos e a integração de planos de contingência com órgãos ambientais.
Cortes orçamentários e a inibição da ação institucional
A despeito da magnitude do desafio, a capacidade de resposta da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) enfrenta entraves severos. Rogério Silva Araújo, Auditor-Fiscal do Trabalho de Goiás e ex-integrante da SIT, revelou que a instituição sofreu cortes orçamentários drásticos: 25% de 2023 para 2024, e mais quase 30% de 2024 para 2025, deixando a Secretaria com aproximadamente metade do orçamento do primeiro ano do atual governo.
Essa restrição financeira tem inviabilizado a realização de cursos e a formação de grupos de trabalho essenciais para a revisão de normas – como as relativas a acidentes ampliados e insalubridade por calor em trabalho a céu aberto – que são fundamentais para adaptar a atuação da fiscalização à nova realidade climática. “Não tem dinheiro para fazer nada, a gente não consegue nada”, lamentou Araújo, indicando uma paralisia que impede o avanço em pautas urgentes, exacerbada em um ano eleitoral, onde “pautas polêmicas” dificilmente prosperam.
A diretora do SINAIT, Rosângela Rassy, corroborou a preocupação com a omissão institucional, informando que o Ministério do Trabalho não estará na COP 30, que será sediada em Belém no próximo mês de novembro, enquanto outras instituições públicas como o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho já têm presença garantida. Ela expressou frustração, pois a intenção do ENAFIT é justamente gerar um debate que possa alimentar as discussões da conferência global.


