Por: Solange Nunes/Edição: Andrea Bochi
A crise climática é uma realidade que se impõe na vida, no trabalho, muda hábitos e rotinas, é o que analisa os painelistas Jorge Boucinhas Filho, professor integrante do Grupo de Pesquisa Migração e Direito Internacional do Trabalho (GEMDIT) da USP, e do médico e Auditor Fiscal do Trabalho Francisco Luís Lima, diretor do SINAIT e da Confederação Ibero-americana dos Inspetores do Trabalho (CIIT). As exposições foram mediadas por Sérgio Voltolini, presidente da Confederação Ibero-americana dos Inspetores do Trabalho (CIIT). O debate ocorreu nesta quarta-feira, 29 de outubro, dentro da 15º Jornada Ibero-americana da Inspeção do Trabalho no painel A migração forçada de trabalhadores como consequência da crise climática realizada paralelamente à programação técnica do 41º Encontro Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho, no auditório do Hotel Princesa Louçã, em Belém do Pará.
O professor Boucinhas explicou que, a partir da sua experiência em migração há mais de dez anos, o conceito dentro do estudo do fenômeno migratório tratado como uma questão econômica, humanitária resultante de guerras, entre outros fatores, atualmente, é observado também como uma consequência, em muitos casos, de mudanças climáticas e aquecimento global.
Segundo ele, os efeitos das mudanças climáticas, hoje, estão presentes no dia a dia de todos. “Na minha infância, quando se falava do “buraco na camada de ozônio” e do “efeito estufa”, a questão parecia algo teórico que os cientistas identificavam, mas não sentíamos no dia a dia como, na atualidade, em que as estações estão diferentes”, disse.
Outros motivos para migrações climáticas, citou como exemplo, secas, desertificação, escassez de água, aumento do nível do mar, erosão costeira, eventos climáticos extremos como furações, inundações, incêndios, insegurança de alimentar e colapso nos sistemas de subsistência.
Destacou, ainda, como impactos da migração climática, no caso dos fatores econômicos – os elevados custos de reparo, as perdas financeiras substanciais, a disponibilidade de matérias-primas, a elevação dos custos operacionais e a necessidade de investimentos significativos em tecnologias de adaptação e mitigação. No âmbito social, é preciso mencionar o agravamento das desigualdades, o deslocamento das populações vulneráveis e o comprometimento da segurança alimentar e hídrica. “Essas mudanças atingem todos os seres humanos, em especial os trabalhadores, de forma particular, porque interferem nas relações de trabalho em seus mais diversos aspectos.”
Trabalho
O pesquisador, integrante do Grupo de Pesquisa Migração e Direito Internacional do Trabalho, analisou que uma forma eficaz de reduzir o número de ações que chegam à Justiça do Trabalho é fortalecendo a fiscalização trabalhista. “Trabalho com essa hipótese já há muito tempo. O número de ações trabalhistas no Brasil é efetivamente elevado, mas não apenas as trabalhistas, também outras ações, o que demonstra uma questão cultural que estimula a litigiosidade no país.”
No entanto, continuou, dentro especificamente das ações trabalhistas, as que mais se repetem são decorrentes da falta de valorização da fiscalização do trabalho. “Quando você percebe que, numericamente, um país possui mais juízes para condenar uma empresa a pagar horas extras referentes aos últimos cinco anos, por exemplo, do que fiscais para ir às empresas verificar se elas estão cumprindo a legislação referente à jornada de trabalho, isso demonstra que temos uma forma de proteção do trabalho mais repressiva do que preventiva. Isso não está correto. ‘É melhor prevenir do que remediar’, como diz a sabedoria popular. Então, acho que a forma correta de efetivamente reduzirmos as ações é fortalecendo a fiscalização do trabalho.”
Fiscalização
Para o diretor Luís Lima, o debate sobre a questão climática é importante por vários aspectos. Primeiro, porque o mundo precisa cuidar dessa questão agora e não deixar piorar a ponto de não haver mais saída na Terra. “Então, ficaremos sem morada.” Segundo, as ações e projetos podem ser desenvolvidos neste momento em prol da melhoria econômica e social para todos.
Em sua apresentação, ao tratar como exemplo a Região Nordeste, ele discorreu sobre as diferenças climáticas da área, como a Zona da Mata, o Agreste, o Sertão e o Meio-Norte. O Sertão, extensa área de clima semiárido conhecida como “Polígono das Secas”, possui o menor índice demográfico da região, com baixos e irregulares índices de pluviosidade e ocorrência periódica de secas.
Região, continua ele, que abrange cerca de 1.108.434,82 km² em oito estados do Nordeste — Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe — e uma parte do norte de Minas Gerais, compreendendo cerca de 1.348 municípios, com secas periódicas e irregularidades nas chuvas, que causavam sérios problemas para a agropecuária e para a população da região. Atualmente, entretanto, essa realidade está em franca mudança.
Segundo Luís Lima, as irregularidades das chuvas, os problemas de produção de alimentos e a falta de trabalho, que em décadas passadas eram divulgados como responsáveis pela migração do nordestino para a Região Sudeste, mudaram. “O verdadeiro motivo da migração não é a seca, mas a estrutura fundiária – a distribuição de terras. Há uma extrema concentração das propriedades agrárias no Nordeste, ou seja, um pequeno número de grandes proprietários detém considerável parcela dos solos bons para a agricultura.”
No entanto, declarou o diretor, os investimentos, os programas e a responsabilidade social que o governo atual tem com a distribuição de renda vêm diminuindo a migração e fixando os moradores na região do Polígono das Secas. “A migração intensa do Nordeste para o Sudeste em décadas anteriores diminuiu na atualidade com a melhoria na distribuição de renda, em razão dos programas sociais, fixando o nordestino em suas áreas de origem.”
Para Luís Lima, a Inspeção do Trabalho é um segmento com responsabilidade social, e as questões climáticas, no que tange ao trabalho, precisam ser observadas. “Precisamos debater as questões climáticas e o trabalho entre a categoria. Devemos discutir ainda a mudança nas legislações trabalhistas para que haja proteção ao trabalhador frente às mudanças climáticas nas regiões e cidades.”
Ao final das exposições, os enafitianos participaram, perguntando sobre soluções, mudanças e novas perspectivas sobre o tema.


