Por: Lourdes Marinho/Edição: Andrea Bochi
Violência simbólica, racismo e machismo estrutural atravessam as relações de poder no trabalho e alimentam quadros de assédio e estresse crônico entre trabalhadores. Em meio a uma cultura de excesso, competição e metas que se sobrepõem ao humano, a psicóloga Alessandra Silva Xavier e o diretor de Saúde e Segurança do Trabalhador do SINAIT e médico cardiologista, Francisco Luís Lima, destacam que proteger a saúde mental dos Auditores e Auditoras-Fiscais do Trabalho, em suas opiniões, “o principal equipamento de trabalho” desses servidores, exige gestão de riscos psicossociais, pausas estruturadas, supervisão sensível e planos de retorno ao trabalho.
Durante a Mesa de Diálogo: Assédio moral e saúde mental do trabalhador, no 41° ENAFIT, nesta quinta-feira, 30 de outubro, Alessandra disse que a rotina dos Auditores-Fiscais concentra dois vetores de sofrimento: exposição direta à violência — como alvo e como testemunha — e estresse crônico. Some-se a isso traços frequentes na categoria, como perfeccionismo, hipercontrole e autocrítica, que transformam o profissional em “fiscal de si”, ampliando vulnerabilidades diante de metas instáveis e hostilidade institucional. “O principal equipamento de trabalho de um Auditor-Fiscal é ele próprio. Se a meta se sobrepõe ao humano, o preço será o adoecimento”, disse a especialista.
A desigualdade aparece na distribuição de tarefas e no trato cotidiano. Mulheres, pessoas negras e LGBTQIAPN+ relatam humilhações, metas desproporcionais, lotações em áreas sem condições mínimas de segurança, comentários depreciativos, ameaças veladas e a chamada “dupla mensagem”: o elogio público que esconde a violência privada.
“O efeito é cumulativo: queda de autoestima, confusão, insônia, irritabilidade, consumo de álcool e, em casos graves, autoataque psíquico — quando críticas externas são internalizadas a ponto de o sujeito se tornar seu próprio agressor”, explica a psicóloga.
As respostas, afirmam os especialistas, passam por medidas organizacionais objetivas, alinhadas às diretrizes da Organização Mundial da Saúde. Avaliar riscos psicossociais, definir papéis com clareza e evitar sobrecarga crônica são pontos de partida. Segundo eles, chefias precisam de treinamento para leitura de sinais de estresse, escuta ativa, comunicação clara e garantia de segurança psicológica. A instituição deve oferecer acomodações razoáveis em situações de ansiedade, depressão ou TOC, com flexibilização temporária de tarefas, redução de carga e revezamento de turnos. Após afastamentos, o retorno deve ser gradual e acompanhado. “Autonomia para tomar decisões é um divisor de águas. Sem autonomia, o sofrimento se exacerba”, disse Francisco Luiz.
De acordo com os especialistas, a proteção em campo deve passar também por logística e segurança: transporte adequado, composição mínima de equipes em áreas de risco e tempo de descompressão após fiscalizações intensas. Pausas deixam de ser concessões e se tornam parte do protocolo, com recomposição física e mental obrigatória após operações desgastantes. Pesquisas internas, canais de acolhimento e campanhas permanentes sobre gênero e raça ajudam a romper o ciclo de silêncio e estigma. “Quando a crítica externa é internalizada, o sujeito passa a se atacar. É nessa hora que a saúde mental claudica”, disse a psicóloga.
Para os especialistas, proteger quem protege exige planejar e medir. É preciso incluir riscos psicossociais na matriz institucional, capacitar lideranças em gestão de conflitos e comunicação não violenta, garantir protocolos de segurança em campo e estabelecer programas de retorno assistido. Sem isso, a cultura de metas, a deslegitimação do serviço público e o isolamento profissional continuarão empurrando Auditores-Fiscais ao limite — e a sociedade perderá sua principal linha de defesa contra violações trabalhistas. “Poder sem preparo é porta aberta para a violência. Chefias precisam ser as mais bem trabalhadas emocionalmente”, reforçaram.
Situação dos profissionais de saúde
O Auditor-Fiscal atrelou o debate a um conceito ampliado de saúde, que inclui moradia, trabalho, renda, educação, ambiente e lazer. Segundo ele, em cenário de pejotização e flexibilizações contratuais, crescem o assédio moral, o esgotamento, a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático entre trabalhadores.
Ele destacou ainda números que ilustram o impacto de cuidar de quem cuida. “Entre profissionais de saúde, um em cada três apresenta depressão, um em cada dez sofreu violência física ou assédio sexual e um em cada dez tem ideação suicida”. Ou seja, o paralelo com a fiscalização é direto: ambos operam sob alta pressão, conflito e dor social.
Alcance das intervenções
Um caso acompanhado pela fiscalização do trabalho mostra o alcance das intervenções. Uma trabalhadora de 27 anos, após acidente grave e 16 meses de afastamento, sofreu assédio no retorno: punições, humilhações e questionamentos sobre sua vontade de trabalhar. Com atuação da Auditoria — termo de regularização, quitação de salários atrasados e reunião com a equipe — ela foi reintegrada com respeito, demonstrando o papel estratégico da Auditor-Fiscal na reparação de danos e na prevenção de recorrências.
Registro de demandas
Ao fim da apresentação, Auditoras-Fiscais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo solicitaram atuação mais incisiva do SINAIT junto à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) para melhorar as condições de saúde da categoria. Entre os pontos, destacaram: necessidade de ações estruturadas de promoção da saúde mental; mediação do SINAIT sobre metas e ritmos de trabalho; e garantia de infraestrutura mínima para a fiscalização — incluindo o caso de uma unidade do Ministério do Trabalho e Emprego em Volta Redonda (RJ), onde parte do prédio está interditada há dois anos e falta água para beber.

