Por Claudia Machado/Edição: Andrea Bochi
Na tarde de segunda-feira, 21/11, Auditores-Fiscais do Trabalho que participam do 38º Enafit, que acontece em Recife/PE, assistiram à conferência especial do juiz do Trabalho Hugo Cavalcanti Melo Filho sobre os impactos da reforma trabalhista na garantia dos direitos do trabalhador. O juiz, que é presidente da Associação Latino Americana de Juízes do Trabalho (ALJT), é conhecido por ser uma voz progressista no Judiciário. Ele fez duras críticas à reforma trabalhista, que retirou direitos do trabalhador e tem contribuído para precarizar as relações de trabalho.
“Não é fácil construir um arcabouço normativo de tutela da classe trabalhadora depois que ele é destruído da forma que foi em 2017. A reconstrução é ainda mais difícil, mais demorada. O direito produzido nos marcos da institucionalidade burguesa constitui um instrumento de dominação de classe, uma verdadeira chancela estatal à exploração do trabalho pelo capital, na medida em que garante a apropriação de mais-valia pelo capitalista. Por outro lado, em virtude do seu caráter interventor, no âmbito da autonomia da vontade, impõe limites a essa exploração. Esses limites consistem na permanente busca da fixação de parâmetros civilizatórios na relação naturalmente desequilibrada entre capital e trabalho, que se dá, com maior ou menor eficácia, em cada momento histórico e em cada lugar”.
De acordo com o juiz, as iniciativas no sentido de alteração das normas trabalhistas vieram com força no momento em que se estabeleceu como linha condutora do capitalismo mundial, o neoliberalismo, que impôs aos países da periferia do planeta, inclusive o Brasil, alterações de várias ordens como nas normas trabalhistas e isso coincidiu com o governo de Fernando Henrique Cardoso na década de 1990. “Tivemos de 1996 a 2002 uma série de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), todas elas no sentido de atender aos interesses do capital e todas prejudiciais à classe trabalhadora”.
Hugo Cavalcanti elencou as leis 13429/2017 (lei da terceirização) e a 13467/2017, que é a própria reforma trabalhista, como medidas inconstitucionais. “Com o golpe de 2016 retomaram a agenda neoliberal com muito vigor e outras mudanças vieram de forma muito eloquente. A lei 13429/2017 permite a terceirização em amplo espectro e a 13467/2017 fez 220 mudanças na CLT, todas elas prejudiciais à classe trabalhadora”. Com a expectativa de um novo governo mais preocupado com as questões trabalhistas, Hugo Cavalcanti defende algumas mudanças que devem ser feitas inicialmente na tentativa de corrigir as aberrações das duas leis. Entre elas, uma das mais importantes é a eliminação da possibilidade de negociar em prejuízo do trabalhador. “A prevalência do negociado sobre o legislado poderia acontecer se houver benefício para o trabalhador, nunca se houver prejuízo”.
Outras medidas urgentes são o meio de custeio dos sindicatos, que ficaram enfraquecidos com a retirada de um dia para o outro dos meios de custeio da organização sindical; a dispensa massiva de trabalhadores, que deve ser evitada a qualquer custo; a ultratividade das normas coletivas de trabalho, que é uma forma de proteger os trabalhadores quando os patrões não querem negociar; a jornada de trabalho que sofreu forte flexibilização e a possibilidade de acordo individual de determinados trabalhadores que têm uma remuneração maior diretamente com o patrão, sem envolver o sindicato.
Cavalcanti lembrou que a aprovação da reforma trabalhista se deu com a promessa de que viria uma Medida Provisória corrigindo desvios absurdos, o que não aconteceu. “A reforma é ofensiva aos fundamentos da República, à dignidade da pessoa humana, ao valor social do trabalho e aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa, solidária, erradicar a pobreza e em especial ao princípio da progressividade social, que está no artigo 7 da Constituição”.
Para o magistrado a reforma trabalhista é inconstitucional no seu todo e não respeita tratados internacionais de direitos humanos, inclusive várias convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por isso é inconvencional sob o ponto de vista formal porque a norma internacional de trabalho exige que alterações na legislação trabalhista devem envolver debates tripartites, o que não aconteceu. As audiências públicas que precederam a reforma, não atenderam tais exigências. “A CLT não pode ser considerada uma norma trabalhista porque não coaduna com os princípios do direito do trabalho”, lamentou.
A diretora do Sinait Rosa Jorge, que coordenou a conferência, falou sobre a atuação do Sindicato para minimizar perdas. “Nós, Auditores-Fiscais do Trabalho, estivemos juntos com juízes e procuradores do Trabalho e fomos vitoriosos em alguns pontos extremamente graves que afetariam todos nós. O Sinait faz a defesa da categoria e também faz a defesa dos trabalhadores, porque é uma premissa: para ter Auditoria Fiscal do Trabalho é preciso que haja um Direito do Trabalho forte, protetivo e que haja o trabalhador, para que possamos cumprir nosso papel”. A diretora lembrou que em função dessa luta insistente o Sindicato conseguiu alterar um parágrafo da Lei 10593 para incluir os Auditores-Fiscais como autoridade trabalhista.
Rosa Jorge falou ainda sobre o livro Reforma Trabalhista – Uma reflexão dos Auditores-Fiscais do Trabalho sobre os efeitos da Lei 13467/2017 para os trabalhadores, publicado pelo Sinait em 2019. O livro tem diversos artigos sobre os impactos da reforma trabalhista e está disponível no site do Sinait.