Tora tudo! Esta frase, proferida por um mandante de assassinato, selou o destino de quatro pessoas. Era para Nelson estar só. Não estava. Tinha a companhia de Aílton, Eratóstenes e João Batista, respectivamente motorista e Auditores-Fiscais do Ministério do Trabalho. Estavam fiscalizando fazendas na região de Unaí, Minas Gerais. E tinha fazendeiro que se incomodava tanto com a fiscalização que ameaçou acabar com Nelson. Era para Nelson estar só. Não estava. Tora tudo!
As duas palavras foram a ordem para matar quatro pessoas e deixa no ar a certeza de que a vida de uma vítima, ou mais de uma, vale muito pouco na visão do seu assassino. Passados 19 anos é preciso lembrar que a Chacina de Unaí continua impune para mandantes e intermediários. Em 28 de janeiro de 2004 os servidores do Ministério do Trabalho foram emboscados e mortos com tiros na cabeça. A ameaça se transformou em realidade.
Há 19 anos o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) luta ao lado dos familiares, colegas e amigos das vítimas contra o vazio e a indignação gerados pela impunidade. Cinco julgamentos resultam em sete condenações que, em princípio, somaram 570 anos. Todos os condenados tiveram redução de pena e o processo se arrasta com uma infinidade de recursos, além da morosidade e das diversas interpretações dos tribunais.
No processo nove pessoas foram denunciadas. Uma morreu em prisão domiciliar, antes de ir a julgamento. Outra teve a pena prescrita. Três pistoleiros foram julgados e condenados, em 2013. Estavam presos desde 2004. Mandantes e intermediários foram condenados, mas não cumprem pena. Seguem aguardando recursos em liberdade. Um deles teve o julgamento anulado e em um segundo júri, sofreu nova condenação. Também está livre.
Por outro lado, há ampla jurisprudência que ampara a tese de prisão após condenação pelo Conselho de Sentença. A razão mais clara é o princípio da soberania dos vereditos do Tribunal do Júri, previsto na Constituição. Isso significa que a nossa Constituição determina a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida ressaltando, ainda, que os tribunais não podem substituir decisão proferida por júri popular. Soma-se a isso a lei anticrime (13.964/2019) que prevê o cumprimento imediato da pena, quando superior a 15 anos, em caso de condenação pelo Tribunal do Júri.
Acreditamos na justiça, mas seguimos inconformados com os reveses do caso a cada julgamento de recurso. Em 2022 no segundo julgamento de um dos réus, a pena de 100 anos aplicada em 2015, foi reduzida para 64 anos.
A atuação contundente do Sinait para que os culpados sejam efetivamente punidos foi contada no livro Chacina de Unaí – a luta do Sinait por justiça, lançado agora que o crime completa 19 anos. A obra reúne as ações do Sindicato iniciadas em 2004 e que seguem até hoje. E o leitor vai perceber, a partir de uma narrativa cronológica, que houve muita mobilização e muito envolvimento para que os culpados sejam punidos e além disso, a tragédia nunca seja esquecida. E não será!
Aílton, Eratóstenes, João Batista e Nelson morreram a serviço do Brasil. Esperamos que o Estado brasileiro dê uma resposta às suas famílias. Todos precisam de paz e não há paz na impunidade. As lágrimas de Unaí não vão secar até que os responsáveis pela barbárie sejam presos. A nossa luta não vai cessar. Queremos justiça, ainda que tardia!