quinta-feira, 21 novembro, 2024
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Jornadas debatem avanços e retrocessos, nos 10 anos do Pacto Contra o Trabalho Precário nas Confecções

Por Andre Montanher

Com público presente no auditório do Ministério da Economia em São Paulo, assistindo pelo Facebook da Missão Paz e também ouvindo a Radio Migrantes, foram realizadas nos dias 2 e 3 de dezembro, as Jornadas de Comemoração dos 10 anos do Pacto contra a Precarização e pelo Trabalho Decente na Cadeia das Confecções em São Paulo. O evento reuniu palestras de especialistas.

“Dez anos depois, a percepção permanece sendo de que somente com uma ação conjunta dos atores envolvidos, poderemos melhorar a situação do trabalho neste setor”, apontou a auditora fiscal do Trabalho, Lívia Ferreira. Ela é diretora da Delegacia Sindical do Sinait-SP, uma das entidades participantes da organização do evento. Lívia também coordena o Programa Estadual de Combate ao Trabalho Escravo da Superintendência do Trabalho, e conhece de perto esta realidade do setor.

Além do Sinait-SP, e da própria Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia, estiveram à frente dos debates a Defensoria Pública da União, o Ministério Público do Trabalho, a Abvtex (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), a ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecções), as ongs Missão Paz, Inpacto e Repórter Brasil, e o Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco. Também enviaram representantes o TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região), a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a AGU (Advocacia Geral da União).

Além do Repórter Brasil, o evento teve cobertura da TV Câmara de São Paulo.

 

Reportagem da TV Câmara de São Paulo

Combater a precarização e o trabalho escravo, num setor que faz uso maciço de mão de obra imigrante e vulnerável, principalmente da Bolivia, Peru e Paraguai, permanece sendo o desafio do pacto. Desafio que também envolve as empresas, à medida que o processo de terceirização e quarteirização (até quinteirização) tornam difíceis os mecanismos de controle.

1º DIA

Após a mesa de abertura na qual estiveram presentes autoridades, representantes de órgãos e entidades que atuam no mundo do trabalho, uma mesa foi formada pela vereadora paulistana Soninha Francine (Cidadania), pela diretora do Sinait, Ana Palmira Arruda de Camargo e pelo auditor Renato Bignami. Eles debateram “O papel do Pacto na formação do Sistema Estadual de Combate do Trabalho Escravo”.

Soninha, relatora de uma CPI do Trabalho Escravo na Câmara de São Paulo, que em 2005 ajudou a mobilizar os atores sociais para combater o problema, citou a dificuldade de abordar as vítimas. “Na época, elas perdiam o trabalho e eram deportadas, o que explica a rejeição à intervenção do Estado”, comentou. A lei anterior, que determinava esta deportação, foi alterada.

Mas sobre a regularização migratória concedida aos trabalhadores escravizados atualmente, flagrados pela fiscalização, Ana Palmira denunciou a dificuldade de concessão de documentos, e a burocracia excessiva. “Há inércia governamental”, pontuou.

O Auditor Renato Bignami lembrou sua história no enfrentamento do trabalho escravo, desde que passou a coordenar, em 2007, um grupo de promoção da dignidade dos trabalhadores migrantes. Procurou valorizar os passos dados pelos órgãos envolvidos desde então, como a própria Superintendência do Trabalho. “Hoje temos alguns problemas práticos no tocante às inspeções, mas no passado era muito pior. Além da sensibilização da sociedade, temos bastante conhecimento adquirido sobre o tema”, citou.

Ana Palmira Arruda de Camargo
Soninha Francine
Renato Bignami

Luis Alexandre de Faria

O também Auditor, Luis Alexandre de Faria, focou o “As principais características e desafios da erradicação Trabalho Escravo na indústria do vestuário”. “Fomos acumulando uma expertise de intervenções. Aprendendo especialmente a enfrentar a cultura do medo, que dificulta a comunicação com o trabalhador nestas condições”, apontou.

INICIATIVAS EM CURSO

Paula Freitas de Almeida, pesquisadora da Unicamp, trouxe um panorama global da indústria da moda, e o efeito nocivo que uma legislação trabalhista flexibilizada, como ocorre no Brasil, tem sobre o processo. “Sem especialização, o fornecedor fica pressionado a reduzir o custo do trabalho, para sobreviver”, apontou.

Na mesa seguinte, a Abvtex e a Abit apresentaram a versão de quem, sendo empresários, afirmam ser também prejudicados pelo trabalho escravo. Pressionadas pela concorrência desleal e pela fiscalização, as grandes indústrias criaram em 2008 um índice de trabalho decente, que exclui as contratantes de trabalho escravo. Em 2017, foi firmada parceria entre a Abvtex e a OIT.

“Temos uma equipe de 80 auditores, fiscalizando 3.703 empresas e 339 mil trabalhadores. é inaceitável que nosso setor conviva ainda com situação degradante de trabalho, mas estamos tentando”, apontou Edmundo Lima, presidente da Abvtex.

Fernando Pimentel, da Abit, trouxe números do faturamento do setor e o volume de impostos pagos, além dos empregos gerados, mas destacou o que considera ser um desafio na luta contra o trabalho escravo: a fragmentação das empresas. 35% delas possui de um a 4 trabalhadores, enquanto outros 50% chegam a até 30 trabalhadores.

Completaram o primeiro dia de trabalhos as representantes da Defensoria Pública da União, Fabiana Galera Severo, e a procuradora do MPT, Andreia Tertuliano.

Paula Freitas
Edmundo Lima
Fernando Pimentel
Fabiana Galera Severo
Andreia Tertuliano

2º Dia

Lívia Ferreira

A Auditora Lívia Ferreira tem formação em Psicologia, e abordou os efeitos do trabalho escravo na saúde mental das vítimas. A aculturação, fenômeno que impacta os migrantes em geral, rebaixando a condição psicológica do sujeito, impacta de forma ainda mais negativa esses trabalhadores, tornando-os vulneráveis à violações dos seus direitos humanos.

Na mesa seguinte, “Empreendedorismo, Informalidade e os reflexos dos sistemas de compliance no ambiente de trabalho”, a pesquisadora da Universidade Estadual de Londrina, Katiuscia Moreno Galhera, trouxe mais enfoque sobre as características da cadeia têxtil, e teceu críticas à situação da fiscalização nos tempos atuais.

“Há restrição ao trabalho dos sindicatos, uma inspeção decrescente pela falta de recursos, e um mercado consumidor pouco atento à natureza do seu consumo”, afirmou. Ela criticou as iniciativas empresariais de controle, segundo ela “pouco abertas à participação externa”.

Eunice Cabral, presidente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, pontuou o trabalho da entidade durante as fiscalizações, e a convenção coletiva do setor. Lembrou da dificuldade do trabalho sindical por conta da redução do financiamento, a pressão do conluio Empresariado-Governo Federal, e a queda brutal do número de trabalhadores formais (55 mil atualmente, contra 200 mil na década de 90).

Padre Paolo Parise, da ONG Missão Paz, pontuou as dificuldades da burocracia para a documentação dos trabalhadores imigrantes da Bolívia, Paraguai, Peru, Venezuela e Haiti. Ele também teceu criticas ao miito do “empreendedorismo” – uma concepção errônea sobre o trabalho sem direitos, que auxilia na precarização e na aceitação das condições análogas à escravidão.

Katiuscia Moreno Galhera
Eunice Cabral (falando)
Padre Paolo Parise (falando)

 

O evento terminou com a mesa “Direitos Humanos, Empresas e Sustentabilidade: uma agenda urgente a cumprir”. Flavia Scabin, do Centro de Direitos Humanos e Empresas da FGV, trouxe iniciativas empresariais contra o trabalho precário, ao logo da história.

Iara Vidal, representante da ONG Fashion Revolution, reconheceu a dificuldade do consumo consciente, diante de elementos como o poder aquisitivo brasileiro. Destacou o índice de transparência Moda Brasil, mas lamentou a falta de cultura sobre a natureza da vestimenta utilizada, por parte da população em geral.

Daniele Martins, da ONG Inpacto, lembrou estudo de 2004 apontando que 200 empresas ainda comercializavam produtos, com aquelas flagradas pela lista suja da Superintendência do Trabalho. Destacou iniciativas como o pacto, na batalha contra a precarização do trabalho no setor.

Flavia Scabin
Iara Vidal
Daniele Martins

 

ATUALIDADE

Em 2019, até junho, o Sistema de Inspeção do Trabalho flagrou 35 trabalhadores em condições análogas à escravidão nas confecções de São Paulo. O índice é maior que o de todo o ano de 2018, quando houveram 28 flagrantes. O número de autuações, por outro lado, pode não ser o melhor termômetro, num ambiente de desmonte da Inspeção do Trabalho.

Para 2020, o governo Bolsonaro reduziu em 63% o orçamento do setor.  Nesse contexto, iniciativas multisetoriais como o Pacto torna-se um importante instrumento de combate ao trabalho precário e escravo. O que de forma alguma, prescinde o valor da fiscalização – foi o consenso dos participantes das Jornadas. “Valorizar os avanços, corrigir os problemas. Este é o papel a partir de agora”, finalizou Lívia Ferreira.

Os vídeos contendo a íntegra das jornadas estão disponíveis no Facebook do Sinait-SP, e em breve no nosso site.

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