Alojamento em Bela Vista, Mato Grosso do Sul, onde paraguaios resgatados viviam
Por Lourdes Marinho com informações da Repórter Brasil/Edição: Andrea Bochi
A “lista suja” do trabalho escravo divulgada nesta segunda-feira, 5 de abril, pelo Ministério da Economia incluiu 19 empregadores, responsáveis por submeter 231 trabalhadores a condições análogas à escravidão. O cadastro tem agora 92 integrantes – que exploraram 1.736 pessoas.
Cinco pecuaristas entraram na “lista suja”. Um deles vendeu gado para a JBS e para a Marfrig mesmo após a fiscalização trabalhista constatar o trabalho escravo, em junho de 2018. Outro por submeter trabalhadores paraguaios a condições degradantes e outro por manter funcionários em regime de servidão por dívida.Também integram o cadastro donos de garimpo de ouro no Amapá e no Pará, construtoras em Minas Gerais e na Bahia e mineração de caulim no Piauí.
O cadastro de empregadores responsabilizados por mão de obra análoga à de escravo, conhecido como “lista suja”, existe desde novembro de 2003 e é atualizado a cada seis meses pelo Ministério da Economia. Veja aqui a lista completa.
Os Auditores-Fiscais do Trabalho flagraram 30 trabalhadores do pecuarista Maurício Pompeia Fraga, um dos 19 empregadores incluídos na atualização da “lista suja” – entre eles um adolescente de 16 anos, transportando gado a pé em um trajeto de 900 quilômetros. Eles partiram de Uruará com destino a Xinguara, ambas no Pará – em uma viagem que, se não fosse interrompida pela fiscalização, levaria quatro meses: sem folga, sem local apropriado para dormir, sem água potável nem banheiro e muito menos com carteira assinada, como determina a legislação trabalhista.
Por conta dessas e de outras violações, da situação degradante e da jornada exaustiva, os Auditores consideraram que os trabalhadores estavam sujeitos a condições análogas à escravidão e autuaram Fraga por 33 infrações trabalhistas.
A entrada do pecuarista na “lista suja” do trabalho escravo ocorreu 33 meses após a fiscalização. No período, Fraga pôde recorrer em duas instâncias administrativas no Ministério da Economia (que herdou as tarefas do extinto Ministério do Trabalho). Nesse intervalo de mais de dois anos e meio, gigantes brasileiras do setor de processamento de carne seguiram negociando com o pecuarista.
Mais da metade dos casos de trabalho escravo flagrados no país entre 1995 e 2020 aconteceram na pecuária, de acordo com um relatório da Repórter Brasil, o “Trabalho escravo na indústria da carne”. A pecuária também é o setor de onde mais trabalhadores foram resgatados: o setor respondeu por 31% dos resgatados em 25 anos, um total de 17.253 trabalhadores.
Antes da criação da “lista suja” em 2003, Fraga já havia sido apontado por explorar mão de obra escrava em 1994, em denúncia feita pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). A fazenda Sinhá Moça também foi alvo, em 2012, da fiscalização dos Auditores-Fiscais do Trabalho, quando foram encontradas 13 irregularidades trabalhistas, mas que não configuraram trabalho análogo à escravidão.
A ‘lista suja’
Prevista em portaria interministerial, a lista suja inclui nomes após os empregadores poderem se defender administrativamente em primeira e segunda instâncias. Foi criada a partir da atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho que, desde 1995, resgataram quase 56 mil pessoas no país.
Os empregadores – pessoas físicas e jurídicas – permanecem listados no cadastro, a princípio, por dois anos. Eles podem optar, contudo, por firmar um acordo com o governo e serem suspensos do cadastro. Para tanto, precisam se comprometer a cumprir uma série de exigências trabalhistas e sociais.
Apesar de a portaria que prevê a lista não obrigar a um bloqueio comercial ou financeiro, ela tem sido usada por empresas brasileiras e estrangeiras para seu gerenciamento de risco. Isso tornou o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pelas Nações Unidas.
Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a constitucionalidade da lista suja, por nove votos a zero, ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
A ação sustentava que o cadastro punia ilegalmente os empregadores flagrados por essa prática ao divulgar os nomes, o que só poderia ser feito por lei. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, afastou essa hipótese, afirmando que o instrumento garante transparência à sociedade e que a portaria interministerial que mantém a lista não representa sanção – que, se tomada, é por decisão da sociedade civil e do setor empresarial. O relator destacou que um nome vai para a relação apenas após um processo administrativo com direito à ampla defesa.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea no Brasil: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de se desligar do patrão); servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas); condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida); ou jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Veja aqui, a íntegra da matéria da Repórter Brasil com informações sobre os pecuaristas que vendem gado para grandes frigoríficos.