quinta-feira, 21 novembro, 2024
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Organizadores do livro “Trabalho Escravo na Indústria da Moda no Brasil” falam sobre lançamento, no Fórum Social Mundial

Acima, Bignami autografa exemplares, em Porto Alegre-RS 

Com Lourdes Marinho

No dia 28 de abril, o Sinait lançou os livros Trabalho Escravo na Indústria da Moda no Brasil, e Resgates. O evento foi no Mezanino da Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre (RS), e fez parte das atividades promovidas pelo sindicato no Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD).

Trabalho Escravo na Indústria da Moda no Brasil (baixe aqui) é organizado pelos Auditores Lívia Ferreira e Renato Bignami, trazendo a história da fiscalização do Trabalho no enfrentamento ao trabalho análogo ao de escravo na indústria da Moda. A obra foi concebida a partir de pesquisa nos arquivos do Programa Estadual de Combate ao Trabalho Escravo, da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo – programa que teve início em 2010.

Lívia Ferreira, no evento que celebrou os 10 anos do Pacto

Para Bignami, “o lançamento no FSMJD foi uma oportunidade incrível! O fórum é um espaço único de construção coletiva, de debates, de construção e reflexão sob a ótica social, centralizada no ser humano”, disse o Auditor-Fiscal do Trabalho. Ele esteve no lançamento e autografou exemplares.

A publicação conta com prefácio da delegada sindical do Sinait em São Paulo, Ana Palmira Arruda Camargo, que foi chefe de Fiscalização em São Paulo no início das atividades de combate ao trabalho escravo na indústria da moda. Traz ainda os anais do evento de 2019, que celebrou os dez anos do Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo.

Confira entrevista com os organizadores:

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Sinait-SP: Qual a característica peculiar do trabalho análogo à escravidão na indústria da moda (sistema da moda e sistema de suor-migração)? Foi descoberto um modus operandi?

Renato Bignami: Na indústria da moda o trabalho análogo à escravidão ocorre por meio da exploração do sistema do suor, do inglês sweating system, sistema no qual os locais de trabalho confundem-se com as residências, nos quais os obreiros trabalham sob condições extremas de opressão, por salários miseráveis, jornadas demasiadamente extensas e exaustivas. Precárias ou inexistentes condições de segurança e saúde.

Sinait-SP: Quais os desafios junto ao Poder Público – o tratamento do imigrante, sua regularização trabalhista e cidadã, além da humanização, em solo nacional?

Lívia Ferreira: No que tange à Inspeção do Trabalho, o desafio sempre foi, e continua sendo, considerar os imigrantes como destinatários de nossas políticas públicas. Isso ainda é muito precário. O imigrante ainda é invisível em muitas de nossas pautas, senão em todas, e isso corrobora com o lugar de extrema vulnerabilidade em que se inserem no nosso país. O princípio de que o imigrante, independente de sua regularidade migratória, é um trabalhador sujeito de direitos, precisa ser colocado em prática em todas as nossas ações de inspeção.

Sinait-SP: Qual a importância do Pacto pelo Trabalho Decente na Indústria da Moda?

Renato Bignami: O Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo – Cadeia Produtiva das Confecções, adotado em 2009 por 11 entidades de natureza pública, privada e do terceiro setor, representou o compromisso de todos em torno da melhoria dos ambientes de trabalho. Assim, após 10 anos de sua ratificação, observamos como seus principais legados para o sistema brasileiro de enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo, as seguintes conquistas:

  1. A aproximação das figuras do tráfico de pessoas para fins de exploração laboral e das condições análogas às de escravo como fenômenos intrinsecamente conectados;
  2. A inauguração do enfrentamento ao trabalho escravo também no âmbito urbano, de forma sistemática e descentralizada da autoridade central, com atuação independente do Grupo Móvel;
  3. A confirmação da existência da figura do trabalho escravo contemporâneo, que envolve formas diferentes de escravidão daquelas encontradas no meio rural;
  4. A colaboração para a construção da visão de que o trabalhador migrante não nacional é sujeito de direitos fundamentais, independentemente de sua origem e de sua situação migratória, a ele devendo ser garantidos os mesmos procedimentos destinados ao trabalhador nacional no resgate de sua cidadania;
  5. O compartilhamento da responsabilidade pelas condições de trabalho ao longo das cadeias de fornecimento; e,
  6. A reafirmação do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho como ponto de convergência das políticas públicas de promoção do trabalho decente, da proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores e do enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo no Brasil.

Sinait-SP: A comemoração dos 10 anos do Pacto contou com a presença importante das entidades representativas patronais. Qual a postura das empresas neste contexto

Lívia Ferreira: Eu considero que o evento de celebração dos 10 anos do Pacto foi um momento muito importante. Não apenas porque nos permitiu refletir sobre o que foi construído ao longo daqueles anos, a partir de um diálogo de alto nível, mas também porque conseguimos reunir instituições de campos muito diversos. Sindicatos de trabalhadores e de empresas, organizações da sociedade civil que atuam em pautas sociais e empresariais, Poder Público e também associações empresariais que tiveram papel fundamental na construção de inciativas voltadas para a erradicação do trabalho escravo na moda. E todos colocaram a mão da massa para que o evento ocorresse. Foi muito gratificante participar da organização desse evento e ver de perto que, ao contrário do momento de polarização que estamos vivenciando em nossa sociedade, é possível fazer diálogo social de forma madura, responsável e com respeito mútuo. O resultado disso está transcrito na íntegra, no livro que foi lançado.

Sinait-SP: Mais de 10 anos de trabalho focado nesta questão do trabalho análogo à escravidão na indústria da Moda, quais os avanços? Que impactos sofreu esta triste realidade?

Renato Bignami: Os avanços foram muitos. Inicialmente, conseguimos institucionalizar o combate ao trabalho escravo no âmbito da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo com a criação do Programa Estadual de Combate ao Trabalho Escravo. O programa foi o responsável por iniciar o combate ao trabalho escravo no âmbito urbano em todo o país, já que, até então, o foco era nas atividades rurais. Além disso, as grifes passaram a atuar com maior responsabilidade, diante da visibilidade alcançada com as operações realizadas pelo programa.

O Pacto ampliou os horizontes do combate ao trabalho escravo no Brasil e fortaleceu as agendas de enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo, para centrar-se na promoção do trabalho decente. No entanto, atualmente, observam-se diversos desafios no horizonte do enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins laborais e no combate ao trabalho escravo, com vários retrocessos e ataques às políticas públicas desenvolvidas no decorrer desses anos todos. É preciso ficar atento sempre e todo apoio é necessário para que sigamos avançando na agenda nacional de promoção do trabalho decente.

Sinait-SP: Há vontade de continuidade sobre o tema do livro, com outro volume ou o desenvolvimento dele em algum projeto?

Lívia Ferreira: O livro Trabalho Escravo na Indústria da Moda no Brasil também constitui um registro histórico de um trabalho de vanguarda realizado pela Inspeção do Trabalho brasileira, que foi iniciado a partir da criação do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo pela Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo. Entendo que precisamos avançar nessa política pública como um todo, especialmente no setor da moda/vestuário. Nesse sentido, as reflexões realizadas no evento de 10 anos do Pacto nos dão subsídios para repensá-la, de forma fundamentada e crítica, como será daqui pra frente. Esse é o desafio: continuar fazendo um trabalho que promova mudança efetiva na vida dos trabalhadores do setor. E para isso, faz-se necessário manter o diálogo social e não deixar de fazer da reflexão um exercício cotidiano.

Evento de 10 anos do Pacto, em 2019
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