Por Lourdes Marinho/Edição: Andrea Bochi
Tráfico de pessoas: o que a inspeção do trabalho tem a ver com isso? Com esta abordagem provocativa a Auditora-Fiscal do Trabalho Lívia dos Santos Ferreira e o Auditor-Fiscal do Trabalho Renato Bignami debateram este assunto nesta terça-feira, 22 de novembro, no 38° Encontro Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho – Enafit.
“Quando se fala em tráfico de pessoas vem logo à mente a questão da exploração sexual. Mas a questão laboral está intrinsecamente ligada a este tipo de violação de direitos humanos, que resulta na exploração da mão de obra de trabalhadores no mundo inteiro para o trabalho escravo”, explica a Lívia Ferreira.
De acordo com o Protocolo de Palermo, de 2000, “a expressão “tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.”
Um estudo da Auditora-Fiscal questiona se o tráfico de pessoas está sendo discutido como deveria, porque muitas vezes o combate a este crime é usado para impedir a migração. Especialistas apontam que conceber o tráfico de pessoas como um problema de migração não-documentada transforma o combate ao tráfico em uma luta equivocada contra a imigração.
“O imigrante pode estar irregular em algum lugar, mas nunca ilegal”, diz Lívia, que vê o equívoco das autoridades competentes como uma forma de impedir a migração.
A pesquisa da Auditora-Fiscal sugere ainda que a inspeção do trabalho deve aproximar o enfrentamento do tráfico de pessoas à agenda de promoção do trabalho decente.
Enquanto pesquisadora do tema, ela entende que a Inspeção do Trabalho precisa focar no entendimento de que o tráfico de pessoas e o trabalho escravo são violações trabalhistas e de direitos humanos, e que a questão criminal deverá ficar para as autoridades competentes nesta matéria.
“A aproximação da Inspeção do Trabalho com o campo do tráfico de pessoas é um assunto muito relevante na contemporaneidade, notadamente no contexto internacional”, avaliou.
As lacunas dos dados e das políticas de combate ao tráfico de pessoas também foram apontadas por Lívia Ferreira como outro problema. Segundo ela, há uma discrepância entre a estimativa de pessoas traficadas e o número de vítimas formalmente identificadas.
Dados da Organização Internacional do Trabalho – OIT, de 2005, estimam que existam cerca de 2,4 milhões de pessoas atraídas para trabalho forçado. E dados da UNODC, de 2006, apontam o número de vítimas de tráfico identificadas globalmente em cerca de 22 mil por ano.
Avanços trazidos pela IN 91/2011
Os avanços trazidos pela Instrução Normativa – IN 91/2011, voltada para o combate ao trabalho escravo, foram abordados por Renato Bignami. A IN ampliou o enfrentamento a todos os meios, urbano, rural e aquaviário; facilitou a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho e inovou ao integrar e conectar o tema tráfico de pessoas ao combate ao trabalho escravo.
Bignami lembrou que foi a partir desta IN que o trabalhador migrante passou a ter a concessão do visto permanente ou a permanência no Brasil, depois de muita luta da Inspeção do Trabalho. Antes, a lei mandava deportar esse trabalhador.
“Colocamos o tema na mesa e chegamos ao texto e aprovação da IN 91, que trouxe mais segurança jurídica e mais respaldo às ações fiscais da Inspeção do Trabalho. Jamais a Inspeção do Trabalho poderia ser cúmplice de todas essas irregularidades que estavam ocorrendo”, informou Bignami.
Sobre os palestrantes
A AFT Lívia dos Santos Ferreira integra a Inspeção do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo, é psicóloga, especialista em Imigração, Interculturalidade e Saúde Mental e mestranda em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Estado de São Paulo – UNIFESP.
O AFT Renato Bignami também atua em São Paulo, é graduado em Direito e mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo – USP. É também doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade Complutense de Madri e autor de diversos artigos e estudos sobre Direito do Trabalho, Trabalho Decente e Direitos Fundamentais no Trabalho. Foi professor de Direito do Trabalho por 4 anos. Trabalhou como especialista em Segurança e Saúde no Trabalho junto ao Escritório Regional da Organização Internacional do Trabalho – OIT para a América Latina e o Caribe.
Atualmente é pesquisador participante do Grupo de Investigación Internacional “Comercio internacional y trabajo”, que desenvolve pesquisa sobre a promoção de trabalho decente nas cadeias globais de fornecimento.