quinta-feira, 30 outubro, 2025
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41º Enafit – Vozes da floresta denunciam conexão entre exploração e crise climática na véspera da Cop 30

Por: Claudia Machado

Em um gesto significativo que antecipa a Conferência do Clima da ONU (COP 30) na capital paraense, o 41º Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (ENAFIT) promoveu um painel especial em uma ilha amazônica, o Combu, abrindo espaço para lideranças indígenas, quilombolas e ribeirinhas. O objetivo foi amplificar as vozes de quem vive e resiste na Amazônia, revelando como a luta por suas terras, culturas e sobrevivência está intrinsecamente ligada ao combate à exploração laboral e à defesa do meio ambiente, questões relevantes no debate sobre o futuro do planeta. A iniciativa do SINAIT sublinhou a urgência de uma perspectiva que coloque os povos tradicionais no centro das soluções para as crises sociais e ambientais.

O painel “De dentro a floresta: vozes dos trabalhadores amazônicos” trouxe à tona uma realidade complexa, onde o desenvolvimento predatório e a mercantilização da natureza e do saber ancestral resultam em trabalho análogo à escravidão e na invisibilidade de comunidades que são a linha de frente da conservação.

Juliana Alves, secretária de Estado dos Povos Indígenas do Ceará e descendente de uma das primeiras cacicas da América Latina, abriu o painel com um testemunho pessoal que contextualizou a luta. Ela destacou a profunda conexão espiritual e energética dos povos indígenas com a floresta e o território. Sua fala pontuou a transitoriedade de cargos políticos frente à perenidade de uma identidade ancestral, sublinhando que a criação de ministérios e secretarias indígenas, embora tardia, representa um avanço na governança. A secretária foi enfática ao afirmar que povos indígenas também foram escravizados e que a reparação histórica necessária vai além do discurso, exigindo visibilidade e empoderamento para que “esses territórios falem por si só”. Ela denunciou como o consumismo contemporâneo muitas vezes esconde uma cadeia de produção baseada na exploração, questionando a origem de joias, sapatos, cosméticos e tecnologias que alimentam um sistema insustentável.

O paradoxo amazônico: exploração e negócios verdes

Aiala Couto, liderança quilombola e professor da Universidade Estadual do Pará (UEPA), mergulhou na crua realidade da Amazônia. Ele descreveu um cenário onde o Pará é “campeão” em trabalho análogo à escravidão, com a presença de exploração sexual, garimpo precário que invade terras indígenas e uma dinâmica de conflito entre o modelo de desenvolvimento baseado na mineração e no agronegócio e o discurso de sustentabilidade e saber ancestral. Couto lamentou que a população quilombola só tenha sido oficialmente contabilizada no censo do IBGE em 2022, evidenciando uma invisibilidade histórica que dificulta o acesso a políticas públicas essenciais.

O professor criticou a “mercantilização do saber ancestral”, onde grandes empreendimentos se apropriam do conhecimento tradicional para gerar lucro, pagando valores “insignificantes” a ribeirinhos que extraem óleos vegetais, transformados em produtos de luxo sem quaisquer direitos trabalhistas. Essa “responsabilidade social e ambiental” empresarial foi desmistificada como uma fachada para a exploração. Ao abordar a COP 30, Couto expôs a contradição de um evento global que, por um lado, se apresenta como um “balcão de negócios” com custos exorbitantes para participação – chegando a R$ 352 mil por 50 metros quadrados –, e por outro, tenta dar voz aos povos tradicionais através de espaços paralelos como a “Cúpula dos Povos” e a “Aldeia COP”. Ele ressaltou que, embora esses espaços sejam importantes para manifestação e crítica, as decisões reais já estão tomadas pelos chefes de Estado, relegando a participação dos povos tradicionais a uma mera “foto”.

O Combu e a sobrevivência ribeirinha

Dona Dara, coordenadora do grupo de biojoias e artesanato Flores de Resistência e trabalhadora ribeirinha da Ilha do Combu, trouxe a perspectiva direta de sua comunidade. Ela ilustrou as dificuldades na educação, onde crianças precisam esperar até os 4 anos para entrar na escola, em contraste com a oferta urbana. A erosão do rio, causada por lanchas de turismo em alta velocidade, e a dificuldade de subsistência de pescadores idosos foram destacados como impactos diretos de um turismo desregulado. Dona Dara questionou como as comunidades podem proteger a floresta se são impedidas de dela tirar o seu sustento, clamando por mecanismos que permitam uma coexistência entre a conservação e a manutenção das tradições e economias locais. A venda de produtos como açaí e camarão, pilares de sua economia, enfrenta desafios como a perecibilidade e a falta de acesso a mercados justos.

Fiscalização e a necessidade de um olhar diferenciado

Em resposta a perguntas da plateia a discussão se voltou para a fiscalização. A diretora do SINAIT Rosângela Rassy questionou a necessidade de um “olhar diferenciado” e normas específicas para os trabalhadores quilombolas, indígenas e ribeirinhos, dada a ausência de denúncias formais e suas condições de vida e trabalho únicas.

Aiala Couto respondeu que, de fato, a educação quilombola – e implicitamente a indígena – exige uma abordagem distinta. Ele citou exemplos de práticas culturais e espirituais, como o silêncio do rio ao meio-dia e o pedido de licença à mata, que são parte integrante da vida e da ética dessas comunidades. Isso sugere que a Inspeção do Trabalho deve ir além da mera aplicação da CLT, compreendendo e respeitando as especificidades culturais que moldam as relações de trabalho e a própria noção de “bem-viver” nesses territórios. O desafio é criar mecanismos de proteção que dialoguem com essas realidades, reconhecendo que a exploração nem sempre se manifesta nos moldes urbanos ou industriais.

Um apelo à ação conjunta

O painel expôs as feridas abertas da exploração laboral e ambiental na Amazônia e lançou um potente chamado à ação. A mensagem é uníssona: a luta contra o trabalho análogo à escravidão e pela justiça ambiental é uma só. Ela exige a valorização dos saberes e práticas dos povos tradicionais, a responsabilização de toda a cadeia produtiva, a garantia de direitos básicos e a criação de políticas que sustentem tanto o ser humano quanto a floresta. A proximidade da COP 30 amplifica a urgência dessa reflexão, lembrando que qualquer solução global para a crise climática será incompleta e injusta se não partir do reconhecimento e do empoderamento das vozes que, de dentro da floresta, há séculos a protegem e dela dependem.

A essência do painel, portanto, transcende a mera denúncia. Ela se configura como um roteiro para um futuro mais justo e sustentável, onde a proteção do trabalhador e a conservação ambiental deixam de ser pautas isoladas para se tornarem facetas inseparáveis de uma mesma luta. Para os Auditores Fiscais do Trabalho, o aprendizado em Belém, às portas da Amazônia e da COP 30, é claro: a fiscalização moderna e eficaz exige um olhar holístico, capaz de decifrar as complexas teias que conectam o consumo nas metrópoles às condições de vida e trabalho na floresta. Somente com essa compreensão profunda e a valorização das vozes de quem está na linha de frente será possível construir soluções verdadeiramente transformadoras e assegurar um futuro onde o “bem-viver” amazônico se torne um modelo de dignidade para o mundo.

O painel foi coordenado por Maria das Graças Bendelack, professora da UFPA e pelo presidente do 41º Enafit, Raimundo Barbosa.

Vivências amazônicas

Após o painel, os enafitianos tiveram a oportunidade de experimentar vivências da ilha. Além de passeio de barco, fizeram uma trilha, quando conheceram a realidade local, as árvores que representam a Amazônia, como a sagrada Samaumeira. Um peconheiro, trabalhador que colhe o açaí, demonstrou o seu trabalho; dançarinos fizeram oficina de Carimbó, dança típica paraense. Em outro momento, puderam assistir o tratamento do açaí, até chegar ao estado próprio para consumo.

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