Por Dâmares Vaz/Edição: Andrea Bochi
Pesquisa coordenada pelo Oxford Internet Institute e pelo WZB Berlin Social Science Centre mostrou que os maiores aplicativos de serviços no Brasil falham em garantir direitos trabalhistas básicos aos trabalhadores. Numa pontuação que vai até dez, seis das maiores plataformas de trabalho digital do Brasil alcançaram nota muito baixa ou nem pontuaram nos princípios do trabalho decente – remuneração justa, condições justas, contratos justos, gestão justa e representação justa. As empresas iFood e 99 alcançaram apenas dois pontos cada; a Uber recebeu um ponto, e Rappi, Get Ninjas e Uber Eats (que não opera mais no Brasil) ficaram zeradas na avaliação.
Esse é o primeiro estudo do tipo no País, cujos resultados estão no relatório “Fairwork Brasil 2021: Por trabalho decente na economia de plataformas”. Outros 27 países também foram pesquisados e, de acordo com os autores, a situação precária dos trabalhadores se repete em vários lugares.
A equipe que conduziu a pesquisa no Brasil foi coordenada pelos professores Rafael Grohmann (Unisinos), Julice Salvagni (UFRGS), Roseli Figaro (USP) e Rodrigo Carelli (UFRJ). A metodologia envolveu entrevistas com trabalhadores, pesquisa documental e reuniões com gestores de plataformas. O próximo levantamento publicado pelo Fairwork Brasil está previsto para dezembro de 2022.
As condições de trabalho nas plataformas vêm sendo foco da fiscalização trabalhista desde 2017, quando ocorreu a primeira ação fiscal no setor. Depois de quatro meses de investigações, os Auditores-Fiscais do Trabalho Sérgio Aoki, Rafael Brisque Neiva e Rafael Augusto Vido da Silva autuaram a empresa Loggi Tecnologia, em São Paulo. A equipe verificou pelo menos 16 itens em que a empresa estava irregular, relativos, por exemplo, ao reconhecimento do vínculo empregatício dos motociclistas, aos recolhimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e a questões de saúde e segurança do trabalho.
Os Auditores calcularam que os valores de FGTS não pagos e das multas trabalhistas chegariam a R$ 2 milhões, referentes às infrações do período de um ano, a partir de uma amostragem de 585 trabalhadores, lotados na capital paulista.
Em 6 de dezembro de 2019, a Justiça do Trabalho em São Paulo reconheceu em primeira instância a existência de vínculo empregatício entre a Loggi e os entregadores. A decisão foi proferida no âmbito de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, com base no relatório da Inspeção do Trabalho. No entanto, em agosto de 2021, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), em São Paulo, entendeu não haver vínculo de emprego entre a empresa e os entregadores. Se reconhecido, o vínculo poderia ter beneficiado 15 mil entregadores com cadastro ativo na Loggi.
Em junho de 2018, mais uma ação fiscal autuou outra plataforma, a Rapiddo, que é do mesmo grupo que controla os aplicativos iFood e Spoonrocket. A fiscalização comprovou irregularidades na contratação de 675 motociclistas. Foram 14 autuações e duas notificações para a empresa. Somados todos os valores, a multa foi de quase R$ 1 milhão.
Foi constatada falta de reconhecimento do vínculo empregatício dos motociclistas, que não tinham as Carteiras de Trabalho assinadas. O recolhimento do FGTS também não era feito. O empregador foi autuado ainda em razão da não observância das regras e cuidados com saúde e segurança no trabalho.
Além disso, no início de 2021, a Rappi passou por uma investigação minuciosa, que levou oito meses, conduzida por Auditores-Fiscais do Trabalho do grupo de combate à informalidade e à fraude nas relações de emprego da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo (SRT/SP). Os Auditores concluíram que os entregadores não eram trabalhadores autônomos e que estavam presentes todos os elementos que caracterizam a subordinação e a relação de emprego gerida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, os cerca de sete mil entregadores que prestavam serviços para a Rappi, somente na cidade de São Paulo, deveriam ter tido a Carteira de Trabalho assinada.
Na ocasião, a Rappi e a empresa SmarMEI, que fazia a intermediação do pagamento aos entregadores, não apresentaram os documentos solicitados na Notificação de Apresentação de Documentos (NAD) e foram, por esse motivo, autuadas por embaraço à fiscalização.