Marcelo Gallo, do CIEE (Divulgação)
Em entrevista ao Portal UOL no dia 11 de maio, o superintendente de Administração, Finanças e Tecnologia do Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola) Marcelo Gallo faz avaliação impactante sobre a MP (Medida Provisória) 1.116/2022, do presidente Jair Bolsonaro, que muda as regras para a Aprendizagem no país.
De acordo com ele, as empresas já começam a se adaptar à nova sistemática, que reduz a oferta de vagas pela Lei da Aprendizagem. A medida foi criticada por Auditores-Fiscais do Trabalho envolvidos no tema. Por ela, quem for contratado passa a contar como aprendiz pela cota da lei, e quem for vulnerável economicamente, conta dobrado pela mesma legislação.
Procurado pelo UOL, o Ministério do Trabalho e Previdência disse que são “falsas” afirmações de que haverá redução de vagas. Para o ministério, “as medidas criam 100 mil novas vagas de aprendiz e estimulam a contratação de 250 mil novos aprendizes até o final do ano, 50% a mais que todos os aprendizes atualmente contratados, por meio de uma ação de regularização do cumprimento da cota de aprendizagem pelas empresas”. “Não houve a redução de nenhum direito trabalhista, previdenciário ou a diminuição dos direitos de proteção da criança e do adolescente, disse em nota.
O interesse maior da entrevista de Marcelo Gallo é evidenciar o posicionamento das entidades sociais, responsáveis pelo ingresso de centenas de milhares de meninos e meninas no mercado. Confiram:
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As mudanças são positivas ou negativas para os jovens?
Marcelo Gallo – Infelizmente, são negativas. O que vemos é uma precarização da aprendizagem. Em um a dois anos, as vagas vão reduzir drasticamente. Também vemos um grande esvaziamento da auditoria fiscal do trabalho, porque ela fica engessada com as novas regras.
Os auditores não podem mais cumprir sua missão, que é orientar e penalizar as organizações que não cumprem o regramento jurídico. Tanto é que isso acabou resultando em uma demissão coletiva de profissionais que faziam esse trabalho, em sinal de protesto.
Quais são os pontos mais prejudiciais da medida provisória?
Marcelo Gallo – Primeiro, podemos falar da questão do vulnerável contando em dobro para efeito de cálculo da cota. Isso tem um caráter discriminatório. A maioria dos jovens que atendemos é vulnerável. Quando uma empresa contrata um vulnerável e a contratação dele automaticamente vale por dois, significa que outro vulnerável que está na fila deixa de ser atendido.
O aprendiz é contratado no regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) com prazo determinado. O que a MP determina é que, quando ele for efetivado, com prazo indeterminado, a cota do aprendiz não precisará ser substituída durante os 12 meses seguintes.
Se a empresa decidir que só contrata vulneráveis, em um prazo de dois anos, no máximo, se precisaria contratar 50, vai contratar 25.
É como se a vaga fosse fechada?
Marcelo Gallo – Ela fica congelada por 12 meses. O governo diz que é uma forma de incentivar as empresas a efetivar os aprendizes, mas existem outras formas de incentivar, sem prejudicar outro jovem que ainda está aguardando uma vaga.
Por exemplo, poderia manter a redução do FGTS por mais 12 meses. Enquanto ele é aprendiz, a empresa paga 2% de FGTS, em vez dos 8% pagos para funcionários com contratos tradicionais.
Qual o impacto do aumento da idade máxima para contratos de Jovem Aprendiz?
Marcelo Gallo – Pela MP, o limite, hoje em 25 anos, pode chegar a 29 anos. Mas só pode trabalhar como aprendiz dos 24 aos 29 anos quem cumpre funções perigosas, como transporte de valores.
O problema é que normalmente essas funções têm convenções coletivas que costumam determinar o pagamento de um salário mais alto, pelo perigo envolvido. Quando você coloca um aprendiz para fazer essa função, a empresa vai poder pagar o salário mínimo.
Você está usando a aprendizagem para precarizar algumas funções. É uma distorção total do objetivo da aprendizagem.
As entidades ligadas ao assunto, como o Ciee, foram envolvidas na elaboração da MP?
Marcelo Gallo – Não. A MP criou um conselho nacional da aprendizagem que não tem um representante das entidades formadoras, que são as que capacitam mais de 200 mil aprendizes no Brasil, como o próprio Ciee.
Mas já existe uma comissão especial na Câmara dos Deputados discutindo um projeto de lei sobre a aprendizagem, que é o Estatuto da Aprendizagem. O projeto está em discussão há cerca de dois anos, encabeçado pelo deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP).
Não faz sentido o governo entrar no assunto assim. A forma e o conteúdo estão errados: não deveria ser uma MP e o conteúdo é muito ruim para a aprendizagem.
Como a aprendizagem deveria ser discutida?
Marcelo Gallo – A aprendizagem precisa ser uma política de Estado, não de governo. É a única política que temos hoje no Brasil que estabelece uma forma de inserção do jovem no mercado de trabalho, porque a política de estágio é facultativa.
O Ciee já sente alguma diferença na quantidade de vagas ofertadas pelas empresas?
Marcelo Gallo – Com a publicação da MP, a primeira coisa que as empresas fazem é parar para estudá-la. Cria-se uma certa insegurança jurídica. E temos que lembrar que no passado já tivemos outras MPs que mexeram em questões trabalhistas e que caducaram.
Tem algum número sobre o cancelamento de vagas?
Marcelo Gallo – Ainda é cedo, porque a medida foi publicada na quarta (4). Nos últimos quatros anos, vimos inúmeras propostas de mudanças, sempre em desfavor do jovem e da aprendizagem.
Quantos estão na fila de aprendizagem esperando vaga?
Marcelo Gallo – Aqui no Ciee, temos 1,5 milhão de jovens na fila, tanto de estágio como aprendizagem.
Dados do Ministério da Educação mostram que, no Brasil, quase 30% dos jovens que começam o ensino médio não chegam ao final. A aprendizagem é uma ferramenta contra a evasão escolar e a única forma de um jovem de 14 ou 15 anos trabalhar de forma legal.
A MP tem sido criticada por especialistas. Isso pode pressionar o Congresso a derrubá-la?
Marcelo Gallo – As entidades que há muitos anos trabalham com aprendizagem no Brasil estão atuando de uma maneira democrática, levando o assunto para discussão na imprensa, para os parlamentares, movimentando as redes sociais.
Estamos mantendo o diálogo com o governo e em contato com o Ministério do Trabalho na tentativa de sensibilizá-los para que entendam os prejuízos causados por essa MP.