quinta-feira, 18 abril, 2024
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Portal J: Nova responsabilidade da empresa contratante na Lei de Terceirização de Serviços

Portal J

Por Rafael Brisque Neiva

Decisão recente do Juízo da 6ª Vara do Trabalho de Campinas/SP, nos autos de uma Ação Civil Pública Cível, trouxe luz a um artigo da Lei 6.019/1974 que trata de responsabilidade da contratante em contratos de terceirização de serviços.

Trata-se de uma decisão inédita no âmbito da Justiça do Trabalho que condenou a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), empresa pública, a pagar indenização por danos morais coletivos por manter trabalhadores em condições análogas às de escravo.

A condenação decorreu do fato de a empresa pública contratante não ter garantido as condições de segurança, higiene e salubridade aos trabalhadores da empresa prestadora de serviços contratada, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei 6.019/1974.

A referida Ação Civil Pública Cível, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, teve por base uma fiscalização no ano de 2019 realizada pela Inspeção do Trabalho em que nove trabalhadores foram flagrados em condições degradantes de segurança e saúde, análogas às de escravo, os quais foram resgatados por Auditores-Fiscais do Trabalho num alojamento no interior de São Paulo.

Os trabalhadores eram empregados de uma empresa construtora que fora contratada pela empresa pública para a prestação de serviços de engenharia civil, após o devido processo licitatório e formalização do contrato de prestação de serviços.

Na fiscalização, a autuação pela Inspeção do Trabalho em relação à grave infração constatada não se restringiu a empresa contratada, empregadora direta dos trabalhadores, sendo também autuada a empresa pública contratante, imputando-lhe responsabilidade direta com fundamento no art. 5º-A, § 3º, da Lei 6.019/1974.

Nessa linha, utilizando-se do mesmo fundamento jurídico e com base no relatório de fiscalização da Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho ajuizou Ação Civil Pública Cível pedindo, além da condenação da empresa contratada, a condenação da empresa pública contratante.

Conforme informado anteriormente, a sentença judicial trabalhista condenou ambas as empresas, destacando-se a condenação da empresa pública contratante devido à sua responsabilidade direta, com fundamento no art. 5º-A, § 3º, da Lei 6.019/1974, em linha com a atuação anterior e fundamento jurídico utilizado tanto pela Inspeção do Trabalho quanto pelo Ministério Público do Trabalho.

Até o ano de 2017 não havia legislação regulamentando a terceirização de serviços, a qual era regulamentada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) por meio da Súmula nº 331. Com a promulgação das Leis 13.429, em 31 de março de 2017, e 13.467 (Reforma Trabalhista), em 13 de julho de 2017, ambas alteraram a Lei 6.019/1974 e esta passou a regulamentar também, além do trabalho temporário, a terceirização de serviços.

Uma das principais mudanças foi em relação ao objeto da terceirização de serviços com a autorização legal, por meio da Lei nº 13.467/2017, para que a empresa contratante (denominada tomadora de serviços na antiga súmula) transfira a execução de quaisquer de suas atividades a empresa prestadora de serviços contratada, seja atividade-meio seja atividade-fim, pondo fim à controversa dicotomia prevista na Súmula nº 331 do TST, e que orientava a licitude ou não da terceirização.

Já no que diz respeito às responsabilidades da empresa contratante, na Súmula nº 331 havia apenas a previsão de responsabilidade subsidiária nos casos de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador contratado.

Tal responsabilidade, com a regulamentação legal da terceirização de serviços, passou a estar prevista no art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429/2017, nos seguintes termos: “A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991”.

De forma inovadora, na regulamentação legal da terceirização de serviços, destaca-se a inclusão, pela Lei 13.429/2017, do § 3º, do art. 5º-A, à Lei 6.019/1974, o qual dispõe: “É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato”. Este dispositivo legal inaugura uma nova responsabilidade da contratante no que tange à segurança e à saúde dos trabalhadores terceirizados.

Não se trata de responsabilidade subsidiária, mas, sim, de responsabilidade direta da contratante em garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, notadamente fazendo-se cumprir as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência, e a legislação sobre a duração do trabalho, incluindo jornadas e intervalos para descanso e repouso.

Nota-se que, desde sua vigência no ano de 2017, o art. 5º-A, § 3º, da Lei 6.019/2017 não recebe a atenção devida pelos doutrinadores e aplicadores do Direito do Trabalho, ora minimizando sua importância ora minimizando sua aplicabilidade.

Não de forma diversa, infelizmente, nos contratos de prestação de serviços, percebe-se que as empresas contratantes ignoram a importância do referido dispositivo legal e desconhecem a responsabilidade direta a elas imputada em garantir condições de saúde e segurança aos trabalhadores envolvidos na terceirização de serviços.

Com a permissão legal da terceirização irrestrita em quaisquer de suas atividades, as empresas estão cada vez mais se utilizando de contratos de terceirização de serviços e concentrando seus esforços nas atividades que geram maiores valores a seus negócios.

No entanto, ao longo de suas cadeias produtivas e de valor, especificamente em relação aos contratos de prestação de serviços e aos trabalhadores envolvidos, não atuam com a devida diligência para garantir o cumprimento da legislação trabalhista.

Nesse ponto, a Inspeção do Trabalho, desde a vigência dos dispositivos legais que regulamentaram a terceirização de serviços, constatou em diversas fiscalizações irregularidades relacionadas a obrigações impostas a empresas contratantes nos contratos de terceirização.

Nessas fiscalizações, revelou-se comum a preocupação das empresas contratantes para com sua responsabilidade subsidiária (art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974), mas não para com sua responsabilidade direta (art. 5º-A, § 3º, da Lei 6.019/1974).

Grandes empresas, com programas de compliance e due diligence implementados e dispondo de setor e pessoal específicos para verificar o cumprimento da legislação trabalhista, demonstram diligência efetiva em relação a riscos do contrato de trabalho de caráter financeiro, como salários e outras verbas devidas, relacionados a potenciais reclamações trabalhistas no âmbito da Justiça do Trabalho por parte dos empregados de empresas contratadas.

O que se tem observado, nas inspeções trabalhistas, é que esses programas na prática atuam apenas com fulcro na capacidade econômico-financeira das empresas contratadas, antes da contratação e durante a vigência do contrato de terceirização de serviços.

Assim, ficam claras a preocupação e a diligência das contratantes no que diz respeito a obrigações trabalhistas de cunho eminentemente financeiro, frente à responsabilidade subsidiária prevista em lei.

Diferentemente, com relação à garantia das condições de segurança e saúde dos trabalhadores e ao cumprimento da respectiva legislação, mesmo constando em programas de compliance e de gerenciamento de riscos trabalhistas, a atuação das empresas contratantes mostra-se, ainda, muito tímida e pouco efetiva.

Logo, tratando-se de tema tão importante, surpreende a falta de diligência dessas empresas em garantir o cumprimento da legislação de segurança e saúde em relação aos empregados das contratadas nos contratos de terceirização de serviços. Tal fato coaduna com a hipótese de desconhecimento por parte das contratantes da responsabilidade direta a elas legalmente imputada.

Para além da análise da responsabilidade direta da contratante, e não menos importante, faz-se imprescindível uma rápida análise do teor e da finalidade do § 3º, do art. 5º-A, da Lei 6.019/1974.

O conteúdo deste parágrafo, ao atribuir à contratante uma obrigação direta, tem como finalidade concretizar condições de segurança, higiene e salubridade aos trabalhadores nas relações de trabalho que envolva terceirização de serviços.

Em muitos casos, é inequívoca a precarização do trabalho nessas relações, já que a capacidade econômica estruturante necessária para o cumprimento da legislação trabalhista pertence, de fato, a empresa contratante, e não a empresa contratada, empregadora direta dos trabalhadores.

Em consonância com a dignidade da pessoa humana, no caso a dignidade do trabalhador, e com os valores sociais do trabalho, fundamentos da República, o dispositivo legal traz efetividade a um direito social fundamental dos trabalhadores expressamente previsto no art. 7º, XXII, da Constituição federal: a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Portanto, a relevante e inédita decisão do Juízo da 6ª Vara do Trabalho de Campinas/SP, que condenou, com fundamento no art. 5º-A, § 3º, da Lei 6.019/1974, uma empresa pública na condição de contratante pelas condições degradantes e análogas às de escravo a que foram submetidos os empregados da empresa contratada, alerta para a responsabilidade direta das contratantes em garantir as condições de segurança e saúde dos trabalhadores vinculados às contratadas nos contratos de terceirização de serviços.

Por fim, espera-se que a decisão judicial aqui trazida e explorada, em linha com a atuação da Inspeção do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, tenha o devido efeito pedagógico para que todas as empresas que se utilizam da terceirização de serviços atuem com a devida diligência e garantam a aplicação da legislação trabalhista e de segurança e saúde no trabalho ao longo de suas cadeias produtivas e de valor.

Dessa forma, afastam-se autuações administrativas e condenações judiciais, reduzem-se acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho, e concretizam-se direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores.

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